CRÍTICA À PSICANÁLISE OU ÀS PSICOTERAPIAS?
CRÍTICA À PSICANÁLISE OU ÀS PSICOTERAPIAS?
Fui convidada e desconvidada para participar de uma palestra, aonde se fazia uma Crítica à Psicanálise, discutindo o livro de Catherine Meyer, “O Livro Negro da Psicanálise”. Diante da polêmica criada pelo livro, os editores deixaram de patrocinar o debate. Portanto a crítica que eu havia escrito e que agora, apresento, aqui no meu blog, não foi publicada, nem discutida.
Esta é a terceira vez que me deparo com uma crítica tão contundente contra a psicanálise e contra Freud.
Primeiro encontro
A primeira vez foi através da obra de Alice Miller: “ O Drama da criança bem Dotada da Alice Miller (1993) “e “ Breaking Down the Wall of Silence “ ( revisto 1997).
Alice Miller nasceu na Polônia em 1923 foi educada e viveu na Suíça,. Morreu no ano passado aos 87 anos. Completou a sua formação psicanalítica em Zurique, praticando a psicanálise por mais de 20 anos. Em 1973, aos 50 anos de idade, fazendo uma pintura espontânea, descobriu sua história de infância. A partir daí começou a questionar radicalmente a validade das teorias psicanalíticas. Sobretudo o Complexo de Édipo e a Teoria da Sedução Infantil. Em 1988 ela se demitiu da Sociedade Psicanalítica Internacional Associação Internacional. A partir de então começou a ajudar pacientes de forma diferente, validando as questões referentes ao abuso infantil e suas consequências futuras.
Segundo encontro
A segunda vez foi em 1998 ao escrever o capítulo final do meu segundo livro. Ele fala sobre abuso profissional nas áreas das psicoterapias e me deparei com o livro: “ Atentado á Verdade: a supressão da teoria da sedução por Freud “, do autor Jeffrey Moussaieff Masson. Este autor, foi diretor dos arquivos freudianos, por cerca de 10 anos, 1970-80. Junto com Ana Freud e, por conta de reescrever a correspondência de Freud – Fliess (melhor amigo e interlocutor nos inícios da teoria psicanalítica) folheou os manuscritos originais de Freud.
Baseado nesta leitura e em notas de rodapé do próprio Freud, bem como em cartas que Freud escreveu a Ferenczi em 1932, concluiu que Freud nunca abandonou a questão do abuso sexual de suas pacientes até o final da vida, e que só voltou atrás, propondo a teoria da sedução infantil, para não ficar isolado e comprometer o avanço da teoria psicanalítica.
Esta é, portanto a terceira vez que ouço falar neste assunto e, confesso a vocês, que foi a leitura mais detalhada de todas e a mais feroz e radical. Fiquei chocada e sofrida ao ver alguns dos autores duvidarem abertamente da honestidade científica de Freud, atribuir-lhe adjetivos desonrosos como mentiroso, falseador de curas, publicitário, etc. Mas recomento a leitura do livro , que considero valioso e instigante porque levanta questões extremamente atuais no campo das psicoterapias e das ciências humanas de forma geral.
Vou discutir apenas algumas destas questões, aquelas que coincidiram com a minha experiência pessoal e profissional ao longo de 35 anos de clínica.
Teoria da Sedução Infantil de Freud e o impacto das experiências de abuso infantil
1- A propriedade ou não da Teoria da Sedução Infantil de Freud e o impacto das experiências de abuso infantil precoce (abuso sexual, físico, emocional, etc.) sobre o desenvolvimento da personalidade.
Freud, no início de sua vida profissional (1895-1897) ouvindo a histéricas relatarem cenas de abuso sexual por parte de pais, cuidadores ou crianças mais velhas achou que era esta situação traumática a causa das psiconeuroses.
Em 1896 apresentou estas conclusões à Sociedade Vienense de Psiquiatria e Neurologia (A Etiologia das Psiconeuroses), sendo extremamente mal recebido e rejeitado por seus colegas. Isolado sociométricamente Freud atribuiu à resistência as críticas recebidas e defendeu-se como pode. Porém cerca de um ano depois, em carta a Fliess ele começa a mudar de opinião e passa a duvidar de suas conclusões. Em 1905 , afirma em texto publicado que a sedução infantil não é real na maior parte dos casos, mas é fruto da imaginação do pacientes, das peculiaridades do desenvolvimento sexual infantil e do enfim formatado Complexo de Édipo.
Bom esta é a história. Se Freud mentiu, omitiu, foi covarde é uma questão de interpretação. Eu acho que ele fez tudo o que um cientista primoroso faria no seu momento histórico. Inclusive sua forma de relatar suas duvidas me parece sincera e corajosa.
O que sim é imperdoável é encontrar colegas que, em pleno sec. 21 repetem, de forma rígida e estereotipada, hipóteses Freudianas ultrapassadas. A questão do abuso infantil, por exemplo, é muito séria e muito frequente, e não só a questão do abuso sexual, mas do abuso físico, psicológico, social, etc.
Segundo dados da Unicef (Fonte: Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância ) sabemos que :
• De hora em hora morre uma criança queimada, torturada ou espancada pelos próprios pais.
• 6,6 milhões de crianças menores de 14 anos (12% do total) são vítimas anualmente de alguma forma de violência doméstica. Em média:
• 18 mil crianças vitimizadas por dia,
• 750 crianças vitimizadas por hora
• 12 crianças agredidas por minuto.
Abuso sexual
Quanto ao abuso sexual, nossas estatísticas são muito ruins, mas só para vocês avaliarem a extensão da questão num recente artigo americano o cálculo é que 20% de mulheres e 5 -10% de homens americanos sofrem algum tipo de abuso sexual durante suas vidas.
Os pacientes que nos procuram no consultório em geral, trazem alguma queixa de abuso e suas defesas estruturadas em sintomas nos falam disso. Frequentemente, nós terapeutas , somos a primeira ou uma das poucas pessoas que sabe o que ocorreu e se nós os desacreditarmos, estaremos cometendo uma violência redobrada pois eliminaremos a esperança de ver sua dor reconhecida e sua dignidade resgatada.Portanto é imperdoável que em nome de Freud se cometa uma barbaridade desta.
Eficácia
2- A questão da eficácia das psicoterapias e qual método psicoterapêutico e mais eficiente para qual patologia- este é outro tema que o livro aborda e que me interessa discutir um pouco.
Vejam quantos tipos de psicoterapia eu consegui listar , numa breve consulta à internet:
1. Psicanálise
a. Freudiana
b. Kleiniana
c. Lacaniana
2. Análise Junguiana
3. Gestalt-terapia
4. Psicoterapia de grupo
5. Psicodrama
6. Terapia comportamental
7. A terapia cognitivo-comportamental
8. ACT- Commitment and Acceptance Therapy ( Terapia do Compromisso e da aceitação?)
9. Psicoterapia corporal orientada
10. Terapia expressiva
11. Psicoterapia interpessoal
12. Terapia narrativa
13. Psicoterapia integrativa
14. Hipnoterapia
15. Hipnoterapia Ericsoniana
16. Ludoterapia (kleiniana, freudiana, psicodramática, etc.)
17. Terapia breve
18. Terapia Corporal
19. Terapia Adleriana
20. Etc.
Padrão
Nos Estados Unidos as terapias cognitivas que ocorrem em 12 sessões, com reforços eventuais, são as mais patrocinadas pelo Social Security , gerando enorme competição no mercado das psicoterapias e fazendo com que todas as outras formas também patrocinem estudos que certifiquem eficácia comprovada em poucas sessões. É óbvio que todas estas formas de psicoterapias disputam o mesmo mercado de pacientes.
Por coincidência , acabei de receber uma revista sobre psicoterapias que assino e que mostra um estudo comparativo da eficácia das terapias breves com aquelas de maior duração. As de maior duração são mais eficazes e mais consistentes neste estudo. Sei também de um estudo de neurociência aonde fica evidente que as terapias de longa duração criam caminhos cerebrais novos, o que é comprovado por exames de imagem cerebral.
De qualquer forma faltam , realmente, estudos sérios e longitudinais sobre este tema. No Brasil estudos com uma amostragem representativa são inexistentes. Se existem pesquisa são em Terapia Comportamental e com uma amostra ínfima, em geral estudos de caso.
Enfim concordo o Livro Negro- só que eu o chamaria Livro Negro das Psicoterapias, não só da Psicanálise. Há muito abuso nesta área do Mercado de trabalho, muitas práticas ineficientes e muitos terapeutas mal formados.http://www.saraiva.com.br/o-livro-negro-da-psicanalise-3425794.html?pac_id=125162&gclid=CI75zPGF7ccCFYUFkQodE3oHBQ
ROSA CUKIER